Celebrar na Sexta-feira Santa o mistério da Cruz é celebrar, antes de mais, o extraordinário amor com que Cristo, tendo-nos amado desde o princípio, nos amou até ao extremo (cf. Jo 13, 2). Para refletirmos um pouco a respeito dessa admirável verdade que a Igreja nos oferece hoje à consideração, dirijamos o olhar para aquele Sacratíssimo Coração que, pendente da Cruz por nossa causa, pulsa ainda agora por cada um de nós. Cientes, porém, de que todo esforço é pouco para chegarmos a compreender a grandeza desse divino amor (cf. Catecismo Romano, 4.º Art., § 4, n. 5), roguemos ao mesmo Senhor Crucificado que se digne, segundo o seu beneplácito, dar-nos entendimento e humildade para penetrarmos, o quanto nos for possível, neste augusto mistério, que de todos é talvez o mais difícil e desafiador à inteligência humana. De fato, uma vez que o mundo, com a sua sabedoria, não conheceu a Deus em sua divina sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação do Filho docilmente entregue às mãos dos homens (cf. 1Cor 1, 21).
Ao meditarmos pois a Paixão do Senhor, o que desde logo faz nosso peito palpitar de compungida gratidão é o fato de Ele, durante todo o seu suplício, ter-nos amado com um amor singular, dirigido a cada um de nós como se fôramos os únicos por Ele amados. Amou-me a mim, como se eu, que sou um nada, fosse tudo para Ele; amou-te também a ti com essa mesma predileção, com essa mesma integridade, como se tu foras para Ele a única alma no mundo. Não amou de forma genérica uma coletividade abstrata, desencarnada, impalpável. Não! Amou-me individualmente a mim, a ti, a todos os homens, quer fossem já mortos ou ainda vivos, quer estivessem por nascer um ou dois mil anos mais tarde. A maravilha desse amor imenso, com efeito, é de admirar ainda mais se considerarmos atentamente que Jesus — o próprio Deus feito homem para mostrar-nos na carne as consequências da nossa miséria — amou-nos de tal modo não apenas em suas dores e sofrimentos, mas desde a sua concepção no seio da Mãe Santíssima, visto que ali, nos primeiros instantes da sua Encarnação, já gozava daquela beatíssima visão com que os santos, contemplando a Deus face a face na pátria celeste (cf. 1Cor 13, 12), conhecem e amam tudo quanto veem intuitivamente na Divindade.
São, aliás, as próprias Escrituras a primeira fonte dessa doutrina, afirmada com a quase unanimidade dos teólogos e avalizada pelo Magistério da Igreja. Em mais de um lugar se afirma, sem margem de dúvida, que a ciência de Cristo Jesus não provém nem da fé, nem de qualquer revelação que se lhe tenha feito, senão de um conhecimento direto que Ele tem de seu Pai: “Em verdade, em verdade, te digo: falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos” (Jo 3, 11). Ora, “só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai” (Jo 6, 46), só Ele o conhece (cf. Jo 8, 55), só Ele, que vem do Céu, dá testemunho do que viu e ouviu do Pai (cf. Jo 3, 32). As palavras dos Evangelistas não são menos claras. Prestai ouvidos a São João: “Ninguém jamais viu a Deus; o Filho único, que está voltado para o seio do Pai, este o deu a conhecer” (Jo 1, 18). Ouvi agora o que relata São Mateus: “ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27).
Com este “amorosíssimo conhecimento”, o qual “excede tudo quanto a razão humana pode alcançar”, Jesus me amou a mim e a ti “no presépio, na Cruz, na glória sempiterna do Pai” (Pio XII, Mystici Coporis, n. 75). Querendo-nos com um desejo ardentíssimo, Ele viu, “vê e abraça todos os membros da Igreja muito mais claramente, com muito maior amor do que a mãe ao filho que tem no regaço, do que cada um de nós se conhece e se ama a si mesmo (Id., ibid.). Ele pensa em cada um de nós com mais afeto e ternura, com mais constância e profundidade, do que o enamorado pensa em sua amada. Tendo-nos, assim, continuamente presentes, Ele nos põe a cada um de nós, membros do seu Corpo Místico, sob os braços salvíficos de sua Cruz, qual uma galinha que ajunta debaixo das asas os seus queridos pintainhos (cf. Mt 23, 37). Santa Teresinha do Menino Jesus, penetrando essa verdade com a delicadeza que lhe é própria, expressou-a nestes versos: “Co’a pequenina mão acariciando a Mãe, sustentavas o mundo e a vida lhe mantinhas… E pensavas em mim, Jesus, pequeno Rei, recorda-Te!” (St.ª Teresinha, Jésus mon Bien-Aimé, rappelle-toi!...). E pensavas em mim!
Pensaste em mim o tempo todo, meu Senhor! Foste perseguido e açoitado, humilhado e desprezado, crucificado e aniquilado, porque desde sempre me amaste, e por amor a mim te entregaste (cf. Gl 2, 20)! Agonizaste no Horto por causa dos meus delitos, de minhas infidelidades, de minhas caídas; mas a minha conversão, o meu desejo de amar-te de volta, foi com isto que o Anjo do Pai te consolou… “Ó admirável dignação da divina bondade para conosco! Ó inconcebível ordem da imensa caridade!” (Pio XII, ibid.) Ajuda-me, meu bom Jesus, ajuda-me a consolar-te hoje com as lágrimas do meu arrependimento, com as penitências e reparações do meu pobre amor, com a minha vontade sincera de seguir-te e ser-te obediente. Que eu hoje me una às tua dores, meu Senhor tão amoroso, e te console, como Santa Verônica, com o gesto simples de quem quer amar de volta o teu tão infinito amor. Imprime, Senhor, a tua sagrada face no meu pequeno coração!
De Christo Nihil Praeponere.
Equipe de Redação | Movimento CJC